terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Fera

Tenho medo da Fera. Enquanto corro por essa floresta escura e pesada, me pergunto onde estará a Fera. Se ainda presa em sua jaula, ou talvez solta por aí escondida atrás de uma árvore esperando para me dar o bote. Vejam, eu nunca tiro a Fera da jaula. Não por minha própria vontade, mas tenho plena consciência de que ela pode vir a se soltar a qualquer momento.

Desespero-me um pouco por causa da dúvida. Na verdade o maior desespero vem do fato de que eu sei, com toda e absoluta certeza que a Fera existe. Ela não é um fruto da minha imaginação. Não, ela está lá, e o pior de tudo, não sei aonde. Mas não posso parar, devo continuar me movendo, a esmo, como devo continuar respirando. Movo-me a esmo pois não sei bem para onde ir.

No meio de todo esse movimento, encontro algumas pessoas. Elas se movem também, vejo muito claramente. Algumas a esmo, como eu, mas outras sabem exatamente para onde ir. Como se fossem providas de uma bússola interna que lhes diz para onde ir. Cansada, peço por direções, mas as pessoas estão tão ocupadas se movimentando que é difícil encontrar alguém para me ajudar. “Desculpe, não posso te oferecer direções, eu estou indo para lá, você pode vir comigo, se quiser”, uma mulher bonita me diz em certa ocasião. Ou “olhe, cada um que sabe para onde vai, e eu vou para lá, adeus”.

Num momento de desespero, comecei a correr. E quando virei a direita depois de uma árvore de tronco torto, dei de cara com ela. A Fera. Ela dormia. Não conseguia mais me mover, pois a visão da Fera era assustadora. A respiração tão pesada, os pelos embaraçados, os olhos enormes (fechados, mas eu conseguia ver que eram enormes). Volto aos sentidos e já dou meia volta para correr dali. Correr correr, correr sem olhar para trás, não importa para onde, só me importa estar longe da Fera. Quando me preparo para dar o primeiro passo, noto que alguém está parado no meio do meu caminho.

“Qual o problema”, ele me pergunta. Com os dedos trêmulos e a voz fraca, aponto para onde a Fera dorme. “Não quero acordá-la”. “Ora, mas qual é o problema em acordá-la?”. “É a Fera. Um monstro terrível, que causa destruição por onde passa. Tenho medo dela.” O homem ri. Um pouco, depois muito. Fico meio sem entender, e com mais medo, pois sua risada pode acordar a Fera. “Menina, isso não é uma Fera. É só um animalzinho indefeso. Todos nós lidamos com ele o tempo todo, qual é o seu problema? E porque você o mantém dentro de uma jaula?”, ele diz indo em direção da gaiola. Meu coração está tão acelerado que dói. “Por favor, não chegue perto. Não chegue perto da Fera, eu não sei lidar com ela. Ela me faz mal, eu não sei lidar com ela e quero que ela fique aí presa. Quando se solta, além do trabalho para prendê-la novamente, me sobram milhares de machucados que precisam ser cicatrizados por causa da luta”. O homem ri mais ainda. Vira-se para a minha direção. “Bem, você pode deixá-la presa por um tempo, mas ela só vai crescer. Nós aprendemos a lidar com ela, você vai ver. No começo é difícil, mas depois acostuma.” “Eu não quero aprender. Quero que ela fique aí.”